Ambliopia Funcional
A ambliopia funcional pode ser descrita, de forma simples, como uma perda de acuidade visual sem uma causa orgânica aparente, sendo possível sua recuperação por meio de tratamento. Geralmente é unilateral mas também pode afetar os dois olhos. É chamada de "funcional" justamente por não estar associada a uma patologia ativa.
As principais causas da ambliopia funcional são o estrabismo e a anisometropia não corrigida.
Embora a apresentação clínica e o défice visual associados à ambliopia sejam amplamente conhecidos e documentados, pouco ainda se sabe sobre o impacto dessa condição no sistema nervoso central (SNC).
AMBLIOPIA E O IMPACTO NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
A introdução da ressonância magnética trouxe avanços significativos, permitindo o estudo in vivo do impacto da ambliopia na estrutura e função do sistema nervoso central (SNC). Imagens clínicas revelaram evidências de alterações nos nervos ópticos e nas vias visuais. Em pacientes com ambliopia, é possível observar uma redução na quantidade da substância branca no nervo óptico, no trato óptico e nas radiações ópticas. O corpo geniculado lateral apresenta volume reduzido de massa cinzenta e menor atividade neural. Além disso, as respostas do córtex visual primário e secundário também estão reduzidas em indivíduos com ambliopia.
Condições como estrabismo e anisometropia comprometem a captação, recepção e transmissão adequadas das informações visuais ao longo das vias visuais. Como consequência, o SNC pode apresentar anormalidades tanto em sua estrutura quanto na sua funcionalidade.
Consequências Comportamentais
A ambliopia é uma condição clínica caracterizada pela perda de mais de duas linhas de acuidade visual entre os dois olhos, resultando em prejuízos na função binocular do sistema visual. Essa alteração afeta diversas habilidades visuais, como a percepção de profundidade, a percepção visuo-espacial e visuo-motora, além da atenção visual, especialmente úteis no seguimento de objetos, na leitura e escrita, em agarrar, desenhar e nas tarefas de destreza manual. Também interfere nas funções executivas mais complexas, como o autocontrole, a atenção seletiva, a atenção visual, a memória de trabalho e a criatividade. Ou seja, a ambliopia impacta diretamente no desempenho das atividades do dia a dia.
A procura (busca) visual ou imagem fundo, é uma importante habilidade visual que está muito ligada à vida diária. Permite localizar objetos ou imagens especificas num ambiente cheio de distrações como por exemplo, procurar as chaves numa mesa muito desorganizada. Faz parte da atenção visual, permitindo selecionar visualmentete a informação que merece interesse em prejuizo de outra não relevante nesse momento ou tarefa. A função executiva, orienta a procura visual, particularmente no planejamento e execução de ações relevantes para a tarefa, ignorando estímulos irrelevantes e acionando o controlo inibitório.
Crianças e adultos com ambliopia apresentam uma redução na capacidade de seguir objetos e no tempo de resposta em decisões visuais, o que sugere que a ambliopia afeta negativamente funções cognitivas superiores.
Embora ainda não existam estudos abrangentes sobre o impacto da ambliopia na atenção visual, sabe-se que o treino dicóptico, utilizado no tratamento da ambliopia, demonstrou melhorias significativas no desempenho de habilidades motoras finas.
Uma meta-análise dos resultados desses tratamentos comportamentais inovadores indica que a atenção visual aprimorada, resultante desses treinos, pode facilitar a recuperação da ambliopia.
Foram desenvolvidos diversos testes para avaliar e treinar capacidades de ordem superior, incluindo funções executivas que têm um papel fundamental no desempenho de tarefas quotidianas.
No Instituto NVIDH, o treino das capacidades visuais está estreitamente ligado às competências cognitivas de ordem superior, como a atenção, memória visual e o processamento visual. O campo visual útil, definido como a área do campo de visão onde é possível reconhecer e detetar imagens ou objetos rapidamente sem movimentos da cabeça ou do corpo, destaca-se pela sua relevância tanto na melhoria do desempenho desportivo como na prevenção de acidentes rodoviários e quedas. Este campo também pode ser eficazmente desenvolvido através de treino específico.
ESTUDO REALIZADO
Foi realizado um estudo para examinar o impacto da ambliopia nas funções executivas incluindo a atenção visual, velocidades de processamento visual e a imagem-fundo sob condições habituais de visualização binocular. No estudo participaram um grupo de crianças dos 7-13 anos de idade, com ambliopia anisométropica ou estrábica e outro grupo de crianças, grupo de controlo, com visão normal.
A velocidade média de processamento visual das crianças com ambliopia e controlo está resumida na figura abaixo.
Este estudo demonstrou que o desempenho em vários testes que envolvem processamento visual de ordem superior e função executiva foi pior em crianças com ambliopia do que naquelas com visão normal. Em particular, as crianças ambliopes apresentaram velocidades de processamento visual nas tarefas de atenção seletiva e dividida e também demoraram mais tempo para a conclusão de tarefas de procura visual, especialmente as que envolvem níveis mais altos de função executiva.
From: Impact of Amblyopia on Visual Attention and Visual Search in Children
Invest. Ophthalmol. Vis. Sci.. 2021;62(4):15. doi:10.1167/iovs.62.4.15
Este estudo representa um marco ao destacar pela primeira vez o impacto da ambliopia na atenção visual binocular e nos processos de busca visual. Os dados obtidos demonstram défices significativos no processamento visual de nível superior em crianças com ambliopia, para além das já conhecidas limitações na acuidade visual e disfunção binocular, que são traços característicos desta condição.
A identificação de uma redução na atenção visual binocular, bem como o desempenho inferior em tarefas de busca visual, particularmente em cenários que exigem maior esforço cognitivo, sugere que os efeitos adversos da ambliopia se intensificam em situações visuais mais complexas. Estes défices manifestam-se em actividades diárias como leitura, escrita e tarefas que exigem destreza manual.
Outros estudos relatam o défice de atenção como parte integrante de um conjunto de défices funcionis que estão interligados, como a visão espacial, coordenação visuo-motora, a perceção de profundidade e a capacidade de seguir objetos em movimento que estão associados ao fluxo dorsal.
Referência:
iovs.arvojournals.org